terça-feira, 29 de janeiro de 2013
sexta-feira, 11 de janeiro de 2013
Crônica - Manoel Lobato
Crônica publicada no jornal "O Tempo", de Belo Horizonte, dia 07 de janeiro de 2013.
UM DIA A CASA CAI: CONSOLO DO SEM-TETO
Desde menino eu me preocupo com a iniquidade do mundo. Bem verdade que não senti a morte de meu pai, pois nem sequer o conheci. Eu tinha menos de sete anos quando ele morreu. A medida que fui crescendo - no físico e no entendimento, como se expressam os autores de textos sacros - aumentava a pouco e pouco o meu sentimento carencial, por causa da falta de uma hipotética proteção paterna.
Até hoje entendo que na vida há desigualdades sem conta, por isso, quando cai um graúdo, como Sérgio Naya, tenho a sensação de que um dia a casa cai, no sentido figurado. Caem edifícios, no sentido trágico da realidade. Por que descrer de que a casa possa cair?
Assusta-me a notícia de que Collor quer ser de novo presidente da República, pois, pelas pesquisas, ele será eleito, no mínimo, governador das Alagoas.
De cambulhada essas esculhambações me perturbam. Quando jovem, diante de minha luta para a sobrevivência como jornalista no Rio, eu me consolava com o raciocínio desesperado: um dia estarei morto, e então todo sofrimento terá seu fim. Um dia a casa cai.
E o tempo foi passando. Envelheço sem querer. Não apenas venho crescendo no físico e no entendimento. Com a velhice, volto a ser nanico, e raciocínio como criança diante de minhas minguadas energias, com a caduquice de quebra. Continuo escrevendo. Meu destino é inexorável.
Meditando sobre tudo isso, topo com velho companheiro de redação, Chico Tonto, que tem esse apelido porque vive bêbado, sempre reclamando que as águas do rio São Francisco estão secando.
Chico Tonto está sentado numa cadeira torta. Toma pinga num bar do bairro da Floresta. Ele está risonho, resignado, e lê poemas de José Carlos Aragão, poeta que mora em Ipatinga e que abiscoitou um prêmio literário, patrocinado pela Editora Formato e pela Xerox. Digo a Chico Tonto: "Você devia parar de beber. Talvez você entrasse para a Academia Mineira de Letras..."
Ele me explica: "Quando estou bêbado, sinto-me na Academia Brasileira de Letras, tomando chá com os imortais!" E solta sua filosofia de botequim: "Creio na minha imortalidade, por causa do meu espírito. Creio que eu seja centelha do Eterno, por isso sou ébrio etílico e ébrio de esperança. Os órficos, os pitagóricos, os platônicos me provam que sou eterno. Se eu não beber pinga, fico sóbrio e começo a duvidar da imortalidade; acho que é por causa disso que a bebida é também chamada de espirituosa. Vi no dicionário: há bebedice etílica, e há bebida espirituosa, sabia?"
Saio do bar, raciocinando sobre a iniquidade do mundo. Volto a pensar em meu pai que nem sequer conheci. Sinto-me no meio da rua. Nunca tomei bebida alcoólica. Sou tonto por natureza. Zonzo, vou ziguezagueando entre os carros que não querem esperar o sinal verde. Avançam no amarelo.
Crônica originalmente publicada dia 19/04/1998.
Dados do autor: Mineiro de Araçaí (1925), Manoel Lobato
começou a ganhar a vida como repórter. Graduado em fermácia, por mais
de 40 anos foi dono de drogaria. Formado também em direito, advogou
durante algum tempo. Quando se aposentou, voltou para o jornalismo,
como redator do Suplemento Literário do Minas Gerais. É autor
de 17 livros entre contos, novelas e romances, onde sobressaem tipos
urbanos e tramas carregadas de loucura, sexo e misticismo. Morador da
Sagrada Família desde 1965, Manoel Lobato ainda dá plantões numa
farmácia do bairro e escreve diariamente uma coluna no jornal O Tempo, de Belo Horizonte. (Fonte: www.bhdecadaum.com.br)
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