Ênclise eufônica e enfática:
7) Em certos casos, a ênclise é justificada por exigências da eufonia ou da ênfase, embora com sacrifício das regras antes expostas:
"Era verdade que Dom Agustin excedera-se um pouco." (Viana Moog)
"Acontecia às vezes que uma das éguas xucras arrumava-lhe um coice." (Vivaldo Coaraci)
Colocação dos pronomes átonos nos tempos compostos:
8) Nos tempos compostos os pronomes átonos se juntam, na língua culta, ao verbo auxiliar e jamais ao particípio, podendo ocorrer, de acordo com as regras já estudadas, a próclise, a ênclise ou a mesóclise:
Os amigos o tinham prevenido. Os presos tinham-se revoltado.
Nunca a tínhamos visto. Haviam-no já declarado vencedor.
Até lá muitos já se terão arrependido.
"Você tem-se governado com virtude e fina sabedoria." (Amadeu de Queirós)
"Muitas infelicidades me haviam perseguido." (G. Ramos)
"Ter-lhe-ia sido nociva alguma de minhas prescrições?" (G. Cruls)
9) A colocação do pronome átono junto ao particípio, censurada pela Gramática, é própria da língua portuguesa do Brasil e encontra acolhida nos escritores modernos:
"Tinha se esquecido de conferir o bilhete." (V. Coaraci)
"A conversa na mesa teria lhe dado suficiente prestígio para isso?" (Jorge Amado)
"Era como se tivesse ido muito longe, ou se escondido atrás de uma parede muito grossa." (Raquel de Queirós)
"A situação agora havia se invertido." (José J. Veiga)
Colocação dos pronomes átonos nas locuções verbais:
10) Nas locuções verbais podem os pronomes átonos, conforme as circunstâncias, estar em próclise ou ênclise ora ao verbo auxiliar, ora à forma nominal:
1) Verbo auxiliar + infinitivo:
Devo calar-me, ou devo-me calar, ou devo me calar.
Não devo calar-me, ou não me devo calar, ou não devo me calar.
Mandei-os entrar. Não os mandei entrar.
Podes ajudá-lo. Não o podes ajudar, ou não podes ajudá-lo.
Queriam enganar-me, ou queriam-me enganar, ou queriam me enganar.
Não queriam enganar-me, ou não me queriam enganar.
"Mas agora já sabemos nos defender." (Guimarães Rosa)
"Não posso me confessar autor dessas barbaridades." (C. Drummond de Andrade)
"Se V. S.ª quer, posso lhe mandar algumas." (Martins Pena)
Observação:
Na fala brasileira, como atestam os três últimos exemplos, os pronomes átonos acostam-se, em geral, ao infinitivo.
2) Verbo auxiliar + preposição + infinitivo:
Há de acostumar-se, ou há de se acostumar.
Não se há de acostumar, ou não há de acostumar-se.
Deixou de visitá-lo, ou deixou de o visitar.
Não o deixou de visitar, ou não deixou de visitá-lo, ou não deixou de o visitar.
3) Verbo auxiliar + gerúndio:
Vou-me arrastando, ou vou me arrastando, ou vou arrastando-me.
Não me vou arrastando, ou não vou arrastando-me.
As sombras foram-se dissipando, ou as sombras se foram dissipando, ou ainda as sombras foram dissipando-se.
V.S.ª está me insultando, ou V.S.ª está insultando-me.
Não o estou criticando, ou não estou criticando-o.
Estava-o lendo há pouco, ou estava lendo-o há pouco.
As forças iam-se-lhe sumindo de dia para dia.
"Que relógio parado me estava governando?" (Cecília Meireles)
"A tarde ia-se tornando lindíssima." (Cecília Meireles)
"Cada vez mais ela se ia transformando." (J. Lins do Rego)
"Meus olhos iam se enchendo de água." (Raquel de Queirós)
"Você está me machucando." (Fernando Sabino)
"Mas aos poucos foi se adaptando." (V. Coaraci)
Observações:
1.ª) A colocação que se vê nos três últimos exemplos, com o pronome átono proclítico ao verbo principal, espelha um fato inequívoco da língua falada e escrita do Brasil. A Gramática não pode senão sancioná-la.
2.ª) A maneira de colocar os pronomes átonos, no falar brasileiro, nem sempre coincide com a dos portugueses, devido à entoação diferente e ao ritmo peculiar de nossa fala.
3.ª) As normas que acabamos de traçar acerca da topologia pronominal não têm a rigidez e a inflexibilidade das leis absolutas, ficando, em muitos casos, subordinadas às exigências da ênfase, da harmonia e espontaneidade da expressão.
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